Especialização de juízos é sinônimo de agilização e qualidade

A argumento da especialização aqui desenvolvida, pode-se aplicar, mutatis mutandis, para espancar à falácia da “unicidade” da advocacia pública apregoada pela ANAPE, com relação às autarquias e fundações, longa manus do Estado, visto que estas executam atividades públicas especializadas (meio ambiente, trânsito, saúde, transporte, previdência, agricultura, etc), todas sujeitas ao cumprimento de legislações especificas e que exigem especialização do advogado público atuante na área. O articulista sabe do que fala e escreve, é juiz federal há 25 anos ! Eu exerci advocacia pública por 30 anos nas autarquias estaduais de transporte (DER), meio ambiente (IAP) e, por curto período, na mineração (MINEROPAR), e posso atestar que sem a especialização na legislação que esses órgãos executam é impossível desenvolver atividade jurídica ágil, qualitativa e consentânea com o mister.

 

É estarrecedor ler inúmeras notícias veiculadas a respeito dos casos de corrupção (federal e estadual) e encontrar nenhuma perquirição a respeito de eventual atividade jurídica que, por ventura, através de advogado público ou comissionado do gestor do plantão (que há muitos nisso), tenha avalizado (ou deixado de coonestar) esses desfalques nos cofres públicos. Tudo se passa como se não existisse advocacia pública. Ou como se os advogados públicos de todos esses órgãos só atuassem quando conveniente ou meramente não atuassem. Que tipo de procedimento administrativo é estabelecido nesses órgãos em que a atuação jurídica de controle da legalidade se torna despicienda ?

 

Se a administração, por ditame constitucional, deve ser regida pelo principio da legalidade e outros, como nos contratos, licitações, licenças e outros atos que resultaram lesivos ao interesse público não houve uma manifestação de consultoria ou assessoramento do órgão jurídico?

 

Na realidade, há uma ignorância quase generalizada de como funciona ou deve funcionar a administração pública quanto ao aspecto da observância do princípio da legalidade. Apuram que é ilegal, mas se é ilegal alguém falhou na análise desse item. Quem zela pela legalidade nesses órgãos? Agora, no Maranhão, parece que o MPF enquadrou junto com a ex-governadora Roseana Sarney também dois ex-procuradores do Estado num escândalo milionário no âmbito fazendário. Já era tempo, pois no Paraná (como no CARF federal), um semelhante escândalo fazendário de 750 milhões em abatimento e redução de multas fazendárias com influxo e refluxo de propinas (até para campanha política) parece que transcorreu ao largo de qualquer manifestação jurídica por anos. Quem ou como se estabeleceu o procedimento propiciatório a esse rombo alijando a atividade jurídica de controle de legalidade? Nenhuma perquirição da imprensa ou dos órgãos de controle público levantou essa questão até hoje.

 

João Gualberto Pinheiro Junior

DAJP/ABRAP

——

Especialização de juízos é sinônimo de agilização e qualidade

3 de novembro de 2016, 14h39
Por Alexandre Vidigal de Oliveira

Ano após ano, são incessantes os intentos em se buscar alternativas para a melhor eficiência na prestação jurisdicional. No âmbito da Justiça Federal, nos últimos 15 anos, muitas soluções foram buscadas para se alcançar melhores resultados de eficiência, cabendo citar, dentre outras, a criação dos juizados especiais federais, a implantação do processo eletrônico, a definição de metas, mutirões e ampliação de seus quadros de magistrados e servidores.

E não obstante algumas medidas até terem sido alardeadas como a definitiva solução, o cenário atual bem revela que o muito que se fez não foi o suficiente para se alcançar resultados expressivos à predominante sensação popular de ineficiência da prestação jurisdicional.

Em diagnóstico da Justiça Federal realizado pelo Conselho da Justiça Federal, há 20 anos (Série Monografia do CEJ, vol 3,CJF, 1996, Brasília/DF), já se tinha o registro de ser o Judiciário brasileiro moroso, ineficiente, caro, arcaico (Série Pesquisas do CEJ, 5,CJF,Brasília/DF, 1996).

E mesmo em tempos atuais, e com tantas mudanças já ocorridas, não há evidências a mostrarem um substancial avanço na percepção daquele lamentável cenário de insatisfação, e isso apesar de o Brasil ter seus juízes dentre os mais produtivos do mundo, segundo o CNJ em seu Relatório de 2010, como também reconhecido pelo Banco Mundial, em 2007 (leia aqui). O fato e sua evidência demonstram, portanto, que apesar dos elevados esforços para minorar os nefastos efeitos daquela ineficiência nem sempre se concretizam em respostas tão ágeis e apropriadas como as necessidades que as demandam, apesar do barulho que provocam, e a revelarem um real descompasso entre os anseios do cidadão e a efetividade na prestação jurisdicional.

Mas é confortável saber que, pelo menos no âmbito da Justiça Federal, ainda há espaço a explorar e algo a se fazer com vistas a se alcançar melhores resultados no seu elevado mister constitucional, ainda mais quando se encontra às vésperas de completar 50 anos de sua criação no modelo atual.

Exemplo assaz e consistente a este avanço encontra-se na possibilidade de uma melhor e mais ampla especialização das varas federais e que, sem a necessidade de qualquer investimento mais específico ou mesmo alteração legislativa, comporta operar-se imediatamente, bastando, para isso, a mera vontade dos gestores da Justiça Federal. É que a Lei 5.010/66, em seu artigo 12, confere à própria Justiça Federal a possibilidade de definir a distribuição de suas tarefas jurisdicionais. De tal modo é essa autorização legal, que atualmente há varas federais especializadas em matéria criminal, em crimes contra o sistema financeiro, em execuções fiscais, em desapropriação para fins de reforma agrária, em previdenciário, assim como já houve, também, em Sistema Financeiro da Habitação. A vantagem desta medida é que se trata de iniciativa interna, quer dizer, atrelada à capacidade de gerenciamento dos administradores da própria Justiça Federal, seja pelos tribunais regionais federais, seja pelo Conselho da Justiça Federal.

Não se conhece voz a subestimar a utilidade das especializações já existentes. Seu mérito decorre da virtude em tornarem mais célere e qualificado o julgamento das causas, dada a concentração dos processos de determinados temas a um mesmo julgador. É insofismável que o pensamento, a concentração, o raciocínio, os estudos, a consulta legislativa, doutrinária e jurisprudencial, a experiência direcionada a tema específico, facilita muitíssimo o enfrentamento das ações com semelhante objeto, inclusive com reconhecido ganho qualitativo. Trata-se, assim, de medida racional e otimizada voltada a melhor administrar a distribuição da carga de trabalho dos juízes, com a possibilidade de se alcançar a invejável combinação da qualidade e quantidade do serviço, e a resultarem em melhor e mais segura eficiência da prestação jurisdicional.

Tome-se como exemplo a Justiça Federal em Brasília e que dispõe de nove varas especializadas (2 criminais, 3 de execução fiscal e 4 de Juizados Especiais Federais), e outras 17 varas “não especializadas”. Para se definir a competência dos processos que devam se vincular a estas 17 varas “não especializadas” e aos seus 34 juízes, tem-se um universo de mais de 300 temas em discussão, e que se concentram em áreas grandes temáticas como, por exemplo, e em uma breve demonstração, servidor público, contrato administrativo e licitação, concurso público, tributos, regulação, previdenciário, reparação de dano, ensino superior e improbidade administrativa.

Estes registros evidenciam que esta amplíssima competência de temas, atualmente enfrentada indistinta e conjuntamente por 34 juízes poderia ser melhor redimensionada, de modo a concentrá-los para a competência exclusiva de determinados juízos, como já sucede com as mencionadas e atuais varas federais especializadas e que, repita-se, ninguém ousa dizer serem desnecessárias. Não raro, muitas matérias já julgadas por alguns juízes ainda aguardam solução por outros juízes. Em um sistema tão distendido como o atual, não há racionalização do trabalho, alternativa essa que pode mesmo se apresentar como a mola propulsora de uma nova realidade e que ainda projete elevadas conquistas de qualidade. Até mesmo nos tribunais busca-se adotar tal providência da especialização de seus órgãos para melhor distribuição dos trabalhos e uniformização dos julgados. Os demais profissionais de Direito, como os advogados, membros do Ministério Público, defensorias, polícias judiciárias, procuram especializar suas atribuições. Além disso, as mesmas motivações que justificam as especializações já existentes de algumas varas federais — agilidade e qualificação dos julgados —, amoldam-se a qualquer outra iniciativa de ampliação daquela medida.

No cenário da crise de eficiência do Judiciário, pela inquestionável morosidade no julgamento de seus processos, desde a 1ª instância, é importante destacar que aquela crise se torna ainda mais acentuada quando não há, nem mesmo, uma preocupação seletiva das causas que devam ser julgadas com prioridade.

Quanto a este aspecto, pode-se mencionar, dentre outras, as ações de improbidade administrativa, e que atualmente, pelos graves e incontáveis casos de desvios funcionais e de corrupção que o país tem tido conhecimento, nem por isso tal matéria se encontra atrelada a Vara especializada, e onde se possam ter concentradas todas as demandas daquela natureza, e a elas dedicada a necessária e qualificada atenção que a sociedade exige, inclusive que conduza à sua rápida e necessária solução.

A complexidade material e procedimental que, de regra, exsurge de ações como as de improbidade administrativa muitas vezes implica em se colocá-las em segundo plano na prioridade dos processos que o Juiz define para julgar,  em relação ao acervo dos mais diversificados  temas que lhe são submetidos, até mesmo porque o Juiz, diuturnamente cobrado pelos órgãos correicionais — e na Justiça Federal são três corregedorias a exigirem incessante esforço de trabalho e cumprimento de metas —,  deve estar atento à estatística quantitativa de sua produtividade, não raro com o comprometimento da  qualidade dos julgados, e, sem dúvida, os chamados processos complexos pouco contribuem na elevação dos números daquela estatística que tanto se cobra.

Não é necessário maior esforço, assim, para se reconhecer que a especialização de juízos é sinônimo de agilização dos processos e qualidade dos julgados, e por isso traduzindo-se em eficiência dos serviços. A especialização em 1º grau até mesmo facilita o trabalho dos tribunais, na medida em que, ao invés de se ter inúmeros juízes julgando a mesma matéria, passa-se a ter um número mais reduzido e concentrado, com os recursos também resultando nessa mesma redução e concentração de teses e fundamentos. E se a crise de eficiência do Poder Judiciário, que tanto atormenta seus membros e a sociedade, é o que se almeja vencer, não há como se deixar de admitir que um amplo e arrojado programa de melhor distribuição dos trabalhos, com a ampliação e diversificação da especialização de Varas Federais, pode contribuir, sem alarde e sem custos, para minimizar aqueles justificáveis sentimentos de desprezo à Justiça. Em tempos que se avizinham difíceis, com a profunda restrição de gastos públicos, em decorrência da PEC 241, ainda é possível se encontrar alguma solução de melhoria do cenário de insatisfação.

Alexandre Vidigal de Oliveira, Juiz Federal há 25 anos, da SJDF, Mestre e Doutor em Direito pela UCIII, de Madri/Espanha, Diretor Acadêmico do Instituto dos Magistrados Federais-IMAFE.

Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2016, 14h39
http://www.conjur.com.br/2016-nov-03/alexandre-vidigal-especializacao-juizos-sinonimo-agilizacao